• 27 de julho de 2024

Cobrança indevida de tributo

maio 31, 2024

Escrevi neste jornal que a Prefeitura Municipal de Guarujá, para engordar seus cofres, pretende via Cartório de Protestos receber multas, IPTU e outros tributos não pagos. A cobrança via cartório e o não pagamento acarretará ao devedor o protesto do título (Certidão de Dívida Ativa), com o lançamento de seu nome no rol dos maus pagadores. Alertei, também, das cautelas que a Administração deve tomar antes de levar o título (CDA) ao cartório e que o protesto indevido poderá levar à Prefeitura (Município) ao pagamento de indenização por dano moral, em sendo condenada judicialmente.

Se não há título válido, não há como apontá-lo perante o Cartório de Protesto, a configurar, portanto, a prática de ato ilícito, por abuso de direito (art. 187 do Código Civil). O protesto indevido está muito longe de ser mero aborrecimento, já que ele necessariamente implica na inclusão do nome do devedor no rol dos maus pagadores. Macula a imagem, a fama e o crédito do devedor, seja ele pessoa natural ou jurídica.

O Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que o protesto indevido de título enseja indenização por dano moral que se configura “in re ipsa” (dano presumido, de que decorre simplesmente da inscrição indevida em cadastro de inadimplente). Daí, desnecessário provar – com a cobrança irregular – dor, vexame, sofrimento, ansiedade, desassossego ou humilhação, que interferem intensamente no comportamento psicológico do indivíduo protestado.

São diversos os motivos que o protesto e/ou cobrança irregular de tributos podem levar a Prefeitura a indenizar o cidadão. Dentre eles – mais comum –, a cobrança de suposto débito já pago, como ocorreu recentemente.

Exemplar a sentença do magistrado da Vara da Fazenda Pública de Guarujá, doutor Cândido Alexandre Munhóz Pérez, que mandou a Prefeitura Municipal de Guarujá indenizar os autores da ação por danos morais, na quantia de R$ 10.000,00, por terem sido cobrados judicialmente por débito fiscal de IPTU já pago. A Prefeitura deixou de informar no processo o pagamento do tributo, providência que somente foi tomada pelos próprios contribuintes, autores da ação.

A conduta da Prefeitura, concluiu o magistrado sentenciante, “acabou por afetar a esfera jurídica dos contribuintes, a ponto de lhes causar danos morais, eis que, citados em execução fiscal, passaram a figura como devedores de tributo municipal de forma indevida, mesmo já tendo efetuado o pagamento”. Não se tratava, pois de simples aborrecimento, mero dissabor como sustentou a municipalidade.

Noutra oportunidade, por homonímia, outro cidadão foi surpreendido por débito fiscal, inicialmente apontado como sendo de IPTU, mas que em realidade se tratava de multa por infração administrativa, com os transtornos decorrentes.

O juiz – aliás o mesmo Dr. Cândido – mandou anular o débito tributário, condenando a Prefeitura ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 5.000,00. Inconformada, a Prefeitura recorreu da decisão. No último dia 10 de abril de 2024, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou provimento ao apelo, deixando registrado que “Ao contrário do que alegado pela Fazenda Municipal ré, ora apelante, a vinculação do CPF do autor a uma dívida inscrita e que foi objeto de execução fiscal, conforme a documentação que instrui a petição inicial, não implica em mero aborrecimento, mas na utilização indevida de documento essencial à movimentação financeira e de quase todos os atos da vida civil do autor”.

Mais ainda, “Ter o CPF vinculado a dívidas inexistentes ou de responsabilidade de terceiros ou ainda de homônimos, como ocorreu no caso concreto, gera dissabores que refletem no cotidiano da vítima, bastando imaginar os problemas de ter que justificar na praça que não é mau pagador de impostos ou infrator das posturas municipais”. Portanto, o “equívoco” na inserção do CPF no sistema cadastral, admitido pela Fazenda Municipal, era o suficiente para caracterizar o dano extrapatrimonial reclamado pelo autor da ação, a justificar a condenação da Prefeitura por dano moral, arbitrado em R$ 5.000,00, apenas com alteração do termo inicial dos juros de mora e correção monetária, que passarão a contar da data da sentença e não da citação da Prefeitura.

São inúmeros os casos em que a Prefeitura é vencida em ações judiciais, onde pretende cobrar suposto devedor de tributos e multas indevidas, o que é preocupante. No final das contas, por cochilo ou incompetência da Administração, quem acaba pagando a conta somos nós munícipes, contribuintes, pagadores de impostos, quando o dinheiro deveria ter outros destinos que não fosse indenizar: para Saúde, Educação e Segurança, por exemplo.

Renovemos, pois, apelo para que a Administração seja melhor aparelhada. Não economize esforços técnicos, tecnológicos, jurídicos e intelectuais na recuperação de créditos. “Tire da frente” créditos fiscais ajuizados de baixo valor, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal (julgamento do RE 591.033 – Tema 1.184), passando a dar maior atenção aos que efetivamente poderão reforçar os cofres públicos, desde que cobrados regularmente. Com isso, se não sobrar dinheiro, pelo menos não deverá faltar para obras essenciais.

Arthur Albino dos Reis
Advogado (OAB/SP 43.616) da “Reis e Guimarães
Advogados Associados”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *