• 27 de julho de 2024

Segredo de justiça

maio 20, 2024
  Acordamos mais uma vez com notícia da mídia escrita e televisionada, fora as mensagens pelo whatsApp, dando conta que bens do prefeito de Guarujá, até o valor de R$ 19.296.913,81 (dezenove milhões, duzentos e noventa e seis mil, novecentos e trezes reais e oitenta e um centavos), foram bloqueados pela Justiça Federal de Santos.
  O bloqueio e a indisponibilidade dos bens móveis e imóveis, valores em contas, investimentos, aplicações, veículos, em face de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) por ato de improbidade administrativa, também atingiu outros 11 réus. É resultado da conhecida Operação Nácar-19, que investigou supostas fraudes na Prefeitura de Guarujá e lavagem de dinheiro, com apreensão de bens, considerável soma em dinheiro, além de prisões.
  A ação civil pública agora ajuizada, para nós Operadores do Direito, não causa surpresa diante da notícia que se tinha dos supostos delitos praticados pelo burgomestre, secretários, servidores da Administração e empresários, considerando a independência das instâncias criminal, civil e administrativa e na falta de decisão na esfera penal.
  A sentença penal absolutória faz coisa julgada no juízo cível e administrativo, nos casos em que o juízo criminal afirma a inexistência material do fato típico ou exclui a sua autoria (art. 386, incisos I e IV do Código de Processo Penal), tornando preclusa a responsabilização civil, bem como na hipótese de reconhecida ocorrência de alguma das causas excludentes de antijuridicidade, que não é o caso. A ação penal proposta contra os investigados ainda se encontra em andamento, pelo que não há sentença absolutória ou condenatória.
Assim, com a ação civil pública, quer o Ministério Público Federal, dentre outros pedidos, a condenação dos réus pela prática de atos de improbidade administrativa, que causam enriquecimento ilícito e que atentam contra os princípios da Administração Pública, nos termos dos artigos 9º, 10 e 11, aplicando-se todas as sanções do artigo 12 da referida Lei de Improbidade Administrativa, no que for pertinente, bem como condená-los ao pagamento do valor de R$ 14.296.913,81 (quatorze milhões, duzentos e noventa e seis mil, novecentos e treze reais e oitenta e um centavos), a título de devolução do valor referente ao prejuízo causado ao erário e do valor mínimo de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) a título de dano moral coletivo.
O que chamou a atenção na decisão do magistrado, no entanto, foi o decreto de sigilo no processo, que se fundou no art. 189, § 1º do CPC e art. 83, inc. IX da Constituição Federal, quando a tipificação deveria ser a do art. 189, inc. III do CPC e art. 93, inc. IX da Lei Maior.
Mais ainda, o decreto de sigilo não vem suficientemente fundamentado, como de rigor. Como regra, os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, podendo ser imposto sigilos apenas em situações excepcionais, nos casos em que a preservação do direito à intimidade do interessado não prejudique o interesse público à informação, nos termos do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal. Na hipótese, não estão presentes as circunstâncias do art. 189 do Código de Processo Civil.
A quebra da regra da publicidade, ainda mais ao tratar de situação de danos ao erário público, é exceção. Mais do que isto, para ser quebrada a regra a decisão necessariamente deve ser justificada e apontar quais os atos processuais ou documento processuais serão excluídos da regra de publicidade.
Seja como for, já que o processo foi decretado em segredo de justiça, ferindo a regra geral, que normalmente são públicos, esperava-se que o sigilo fosse mantido. Que à decisão judicial tivessem acesso apenas os servidores da unidade, às partes e seus procuradores e não a mídia que cuidou em dar maior publicidade aos atos das peças que serviram de base à propositura da ação e a decisão do magistrado, composta de 43 laudas.
A ordem violada do magistrado – quebra do sigilo – está a merecer apuração e responsabilidade. Se o sigilo foi quebrado por funcionários públicos, poderão perder o cargo, serem severamente advertidos e também processados criminalmente.
  Só assim o segredo de justiça será respeitado, impedindo que o público em geral tenha acesso aos autos para a preservação da intimidade das pessoas envolvidas no processo ou procedimento e para proteger um interesse social, como o normal andamento do processo quando a divulgação das provas possa levar a uma sentença equivocada.
Se o sigilo teve como finalidade única garantir a eficácia da medida cautelar concedida, como apontado, ou seja, prevenir que atos dos próprios réus frustrassem a medida, e não por interesse público ou presença de dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade, a esta altura perdeu sua finalidade. De qualquer forma, não desobriga o juiz a fazê-la cumprir fielmente, mas o segredo já pode ser revogado.
Arthur Albino dos Reis
Advogado (OAB/SP 43.616) da “Reis e Guimarães
Advogados Associados”

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