• 9 de maio de 2024

Artigo: “Lavagem de dinheiro”

dez 10, 2023

Lavagem de dinheiro 

(*) Arthur Albino dos Reis

A imprensa noticiou, desta feita sem o costumeiro alarde, nova denúncia criminal em desfavor do prefeito de Guarujá. Agora por crime de lavagem de dinheiro. A matéria jornalística diz que o crime foi objeto de investigação ao longo da Operação Nácar-19,  deflagrada no ano de 2021, que culminou com a prisão do alcaide, acusado pela autoria de diversos delitos, dentre eles desvio de verbas públicas destinadas à execução de ações e serviços de saúde do município de Guarujá, com dinheiros apreendidos em sua residência em Guarujá, nos apartamentos de Santos e São Paulo, este ocupado por seu ex-secretário municipal de Educação, que diz ser seu o dinheiro encontrado. Também nas dependências do gabinete prefeitural, no Paço Municipal.

O crime de lavagem de dinheiro está tipificado no art. 1º, caput, da Lei 9.613, de 3/3/1998, que possui a seguinte redação, com a Lei nº 12.683, de 2.012: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.

A prática da lavagem de dinheiro, como a própria expressão indica, implica a tentativa de tornar lícito, isto é, “limpo”, o dinheiro “sujo” proveniente de ações criminosas.

O delito de lavagem de dinheiro é considerado crime acessório. Depende da prática de uma infração penal antecedente, de modo que, o crime antecedente é, desta forma, elemento do crime de lavagem. Daí, faz-se necessária a demonstração – e comprovação – da existência da infração antecedente e de sua ligação causal com os bens objeto da lavagem.

Nesse sentido, a doutrina: “a menção típica à infração antecedente confere ao delito de lavagem de dinheiro uma natureza acessória, uma vez que o faz dependente de uma conexão causal com o ilícito precedente para sua materialização. É, portanto, necessária a demonstração da infração antecedente e de sua ligação causal com a lavagem posterior” (CRUZ BOTTINI, Pierpaolo. In: BOTTINI CRUZ, Pierpaolo e HENRIQUE BADARÓ, Gustavo. Lavagem de Dinheiro. Aspectos Penais e Processuais Penais. 5ª ed. r.a.a. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022, p. 106).

Assim, para a prática da lavagem de dinheiro e perdimento do numerário, não basta a mera constatação de um crime antecedente que gera produto. Deve-se também demonstrar que esse produto é justamente aquele que foi ocultado ou dissimulado posteriormente, comprovando-se um elo, uma ligação entre o fruto do delito antecedente e o ato de lavagem de dinheiro posterior.

Ocultar significa esconder, tirar de circulação, subtrair da vista. A consumação ocorre com o simples encobrimento, através de qualquer meio, desde que acompanhado da intenção de converter o bem futuramente em ativo lícito. É a primeira fase da lavagem, o momento em que o capital está próximo, ligado à sua origem infracional, e, por isso mesmo, a etapa onde a lavagem de dinheiro é mais facilmente detectável. Já a dissimulação é o ato ou conjunto de atos posterior à ocultação.

Há quem a caracterize como a ocultação mediante ardil, ou como a segunda etapa do processo de lavagem. Dissimular é o ato de distanciamento do bem de sua origem maculada, a operação efetuada para aprofundar o escamoteamento, e dificultar ainda mais o rastreamento dos valores. É um ato um pouco mais sofisticado do que o mascaramento original, um passo além, um conjunto de idas e vindas no círculo financeiro ou comercial que atrapalha ou frustra a tentativa de encontrar sua ligação com o ilícito antecedente. São exemplos de dissimulação as transações entre contas correntes no país ou no exterior, a movimentação de moeda via cabo, a compra e venda sequencial de imóveis por valores artificiais, a efetuação de empréstimos simulados em que o tomador é o real titular da soma que obteve por meios ilícitos, sempre com o intuito de conferir revestimento ou aparência de legitimidade aos bens de origem maculada.

O tipo objetivo do art. 1º, caput, da Lei 9.613/98, na forma de ocultação ou dissimulação exige, portanto, algum ato de mascaramento do valor procedente da infração. O uso aberto do produto do crime não caracteriza a lavagem. Se o agente utiliza o dinheiro procedente da infração para comprar imóvel, bens, ou o deposita em conta corrente, em seu próprio nome, não existe o crime em discussão. O mero usufruir do produto infracional não é típico, assim como ter sob a guarda valores não declarados ou de origem suspeita. Quando muito infração administrativa.

Assim, a apreensão de valores em dinheiro sob a guarda do prefeito – ou qualquer outro cidadão – por si só não tipifica o crime tipificado no art. 1º da Lei 9.613/1998. Necessária, repita-se, a condenação por crime antecedente, que no caso seria fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, com recebimento criminoso de vantagem ilícita, para concluir pela existência do crime de lavagem de dinheiro. Muito cedo, portanto, fazer juízo de valor e “condenar” antecipadamente o burgomestre pela nova denúncia do Ministério Público Federal.

(*) O autor é Advogado (OAB/SP 43.616) da “Reis e Guimarães Advogados Associados”

 

 

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